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Sarau Cultural:

valorizando a periferia como importante local de produção artística

O Cursinho Comunitário Pimentas surgiu em 2002 com o intuito de lecionar e preparar jovens carentes para a universidade pública. Mas desde 2006 eles fazem mais que isso com o Sarau Cultural, que de acordo com os próprios organizadores eles “tem como principal intuito divulgar os artistas da região e fomentar a cultura da periferia”.

A ideia do Sarau veio de um professor de literatura chamado Mauro. No seu pensamento inicial seria um Sarau Literário, com poesia e música. Para isso ele convidou os próprios alunos e voluntários do cursinho para organizar e realizar o evento. Foram convidadas algumas bandas do bairro, pessoas que tocassem algum instrumento e também apareceu um pessoal que pintava e colocaram seus desenhos em exposição. Dessa forma ele ocorreu num antigo prédio do Sindicato de Químicos de Guarulhos, localizado no Pimentas.

Douglas Lotto Pereira, 33 anos, funcionário público concursado e formado em relações públicas, é organizador do evento desde a sua primeira edição. Ele justifica o sucesso do 11º Sarau Cultural contando a sua reação ao realizar o primeiro: “Nós não esperávamos que lotasse, e, lotou. E pensamos como que um Sarau consegue tanta repercussão assim e tanta riqueza de produção? O pessoal que apresentou poesia foi poesia própria. As bandas já tinham um trabalho, e, era tudo da região aqui próximo. Eram tudo artistas e havia uma lacuna, uma falta de espaço para eles se apresentarem e ai a gente pensou em continuar com essa ideia”.

 

 

 

 

No ano seguinte precisaram de um espaço maior, e, para isso pediram a prefeitura para utilizarem o Adamastor (centro cultural de Guarulhos) unidade Pimentas. Nesse já teve apresentação de teatro e a partir de então todas as linguagens artísticas foram compondo o Sarau Cultural.

Douglas dilucida que nem tudo são apenas flores, há também os espinhos e até que se pegue a prática as mãos ficam um pouco calejadas e machucadas. “A organização no começo foi mais difícil pela falta de experiência com eventos. A gente não tinha experiência com evento grande, porque a ideia era ser algo pequeno e para poucas pessoas, mas na hora que veio era muita gente e muito artista querendo se apresentar. Quando foi para o Adamastor com toda aquela estrutura foi difícil, porque não tínhamos experiência com isso ainda. Era ordem de apresentação dos artistas, atrasos, essa questão de divulgação”, esclarece um pouco dessa dificuldade.

Douglas Lotto Pereira

Hoje o Sarau Cultural ocorre no próprio espaço do cursinho, já contando com uma boa infraestrutura que serve de base para tal evento. “Porque o Sarau acontecer no nosso espaço, na nossa casa fica tudo mais tranquilo, mais simples”, comenta Douglas. E a simplicidade do local apenas o torna mais convidativo e aconchegante, porque mesmo com a noite chegando ainda havia apresentações e, público participativo, era o que não faltava para acompanhar.

O cursinho começou a funcionar com apenas uma sala pequena num espaço antes abandonado e que servia como um ponto de drogas. Não havia dinheiro se quer para comprar o giz da lousa, contudo, o tempo foi passando e as ajudas voluntárias foram aumentando. Ganhou notoriedade com a população local, até mesmo da prefeitura de Guarulhos. O então espaço era da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), mas estava emprestado para a prefeitura, que resolveu ceder ao cursinho que vinha numa crescente.

Atualmente são duas salas de aula, cozinha, secretaria, biblioteca e sala de informática. O quintal conta com uma horta; um espaço para depositar material reciclado, tendo cada um seu devido recipiente; um local de socialização com bancos feitos de árvore, pneu, pedra e possui até um balanço. Há também uma grande área aberta onde ocorrem os eventos, como por exemplo, o Sarau Cultural, o chão dela e de todo o quintal é de bater o pé e levantar a poeira, de sentir a terra e a areia ou são elas que sentem e nos repassam como uma prosopopeia.

Foi nesse clima de dia quente misturado com calor humano, de chão simples e pés firmes, com apresentações de dança, teatro, música e poesia numa tarde de domingo do dia, 24 de julho, de 2016 que o 11º Sarau Cultural aconteceu.  

Janaína Gomes, 23 anos, ex-aluna do cursinho e atualmente universitária, cursando Lazer e Turismo na Universidade de São Paulo, desvenda essa mistura de simplicidade com sucesso dizendo que “Geralmente os artistas já batem carteirinha aqui no Sarau, tem artista que vem todo ano”. Douglas ainda completa “todo ano vem de banda quase 10, mais as poesias, pinturas, desenhos, teatros, nosso problema é conseguir encaixar todo mundo no espaço de tempo que temos disponível”.

Janaína Gomes

Atualmente a organização funciona com um primeiro contato com os artistas já conhecidos “depois envolvemos os alunos a mobilizar a comunidade para que ela participe e dentro do cursinho, entre os alunos mesmo, organiza as equipes para que as coisas aconteçam no dia”, explica Janaina. Essas equipes são dividas em comunicação, relações públicas e apoio. O evento já virou atividade fixa no calendário do cursinho, todo inicio de ano durante o planejamento pedagógico eles já separam a data para a realização dele.

A partir do Sarau os organizadores perceberam que havia um vácuo nos Pimentas, muita pessoa com veia artística boa, mas sem qualquer lugar que sirva de vitrine para a sua arte. Deixando-a trancada e limitada ao seu quarto, seu chuveiro ou sua mochila.

Passaram então a investir em outros projetos de acordo com o que viam na população local e com os voluntários que tinham disponíveis. Começaram a oferecer aulas de balé, no entanto, a demanda foi muito grande. Dessa forma perceberam que poderiam ir até determinado ponto com o trabalho voluntário, se quisessem ampliar teriam que partir para alguma outra ideia, e, sendo assim, resolveram escrever um projeto para se inscrever e concorrer no edital do ponto de cultura.

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“Mas além das formas tradicionais de elaboração de políticas públicas culturais, sejam elas específicas para as periferias ou não, existem diversas possibilidades de atuação do poder público para o fomento da cultura, estabelecendo parcerias com coletivos e grupos e multiplicando a ação”, (Nabil Bonduki).

 Ponto de Cultura   

 

Ponto de Cultura é um projeto que existe desde 2010, ele é financiado pelo Ministério da Cultura, e, tem como objetivo fomentar a cultura ou a educação, desde que se desenvolva e acompanhe as atividades socioculturais em comunidades. Em Guarulhos esse projeto acontece com a parceria da Secretaria de Cultura.

“Ele é um projeto que tem como objetivo fomentar a cultura na periferia, mas de baixo para cima. Ao invés deles chegarem junto das entidades, associações e proporem alguma coisa de cima para baixo, eles deixam em aberto através de editais, para que essas entidades e organizações escrevam seus projetos de acordo com a realidade deles, de acordo com atividades que eles já desenvolvem para captar recursos e conseguir manter as atividades culturais ao longo de três anos”, explica Janaina Gomes.

O valor disponibilizado é de 180 mil reais, mas ele é divido em três partes e depositado 60 mil a cada ano. No primeiro ano quando recebe a primeira parcela ela também é dividida em: 20 mil para comprar os materiais e 40 mil para pagar oficineiros, professores e as contas. No segundo ano a mesma coisa.  No último ano, se entende que a entidade já comprou todos os materiais que precisava, então, esses 60 mil são apenas para pagar os oficineiros. Porém, não é tão simples assim, tudo precisa prestar contas, até mesmo um ventilador que se compre precisa da nota e de explicação do porque de tal compra. “Tudo precisa prestar contas, uma vez que a entidade não faz isso ela tem que devolver esse dinheiro”, relata Janaina.

Há um prazo para o projeto ser escrito, depois vem à análise documental, análise do teor do projeto, para logo após ele, uma vez que aprovado, receba o dinheiro para realização das atividades.  O Ponto de Cultura dos Pimentas recebeu sua primeira parcela no final de 2013, começando assim suas atividades em 2014.

Mas não é tão simples e fácil como aparenta ser. A própria Janaina Gomes auxiliou um grupo que há 20 anos já propõe um trabalho especifico no bairro com capoeira, dança do côco, oficina de maculelê e história afro-brasileira. Ele já foi aprovado no final de 2014 com nota máxima entre os outros projetos e, até agora, dois anos depois ainda estão na parte de análise documental. 

Voltando ao Ponto de Cultura já aprovado e pronto para iniciar o expediente. No seu primeiro plano de trabalho eles optaram em desenvolver atividades que já faziam parte do cotidiano e realizavam mesmo sem qualquer auxílio financeiro. As oficinas eram de teatro; dança; artesanato; debate através de documentários e de captação de recursos. Essa última foi criada com o intuito de auxiliar oferecendo um suporte técnico para pessoas e entidades que queiram escrever projetos e captar recursos para as mesmas.

No entanto a oficina de captação de recursos não obteve um resultado positivo. De acordo com Janaina uma das responsáveis pelo Ponto de Cultura “não teve demanda, por mais que a gente divulgasse, chamasse outras entidades não houve demanda, não houve interesse”. E ao invés de devolverem o dinheiro dessa oficina, eles fizeram um pedido para alterar o planejamento e essa quantia ir para outra atividade que estava tendo uma maior procura.

A atividade mais procurada pela população local é o balé. Essa oficina começou com duas horas semanais em dois dias diferentes, hoje ela funciona de terça a sábado. São quase 200 crianças que participam. E tudo é acompanhado, até mesmo a questão da falta. “A gente atua principalmente ali na região do Guaracy e ali é uma região muito carente de espaços culturais onde as crianças possam ir. Além do nosso espaço lá não tem mais nada. Então a gente sempre tem muita lista de espera das atividades. Então ficar com uma criança que está faltando direto eu tiro a oportunidade de outra criança que esteja na lista de espera”, fundamenta Janaina.

 

 

Em São Paulo, Nabil Bonduki, pensando numa forma de ampliar e avançar nessas políticas públicas culturais criou a Lei de Fomento à Periferia. “De minha autoria e sancionada pelo prefeito no último mês de julho, que cria condições para que coletivos da periferia possam ser atendidos, uma vez que, em outros editais, eles concorrem com grupos de bairros mais consolidados da cidade, principalmente do centro expandido, que acabam sendo contemplados”, esclarece o mesmo.

E ele continua afirmando que “Mas além das formas tradicionais de elaboração de políticas públicas culturais, sejam elas específicas para as periferias ou não, existem diversas possibilidades de atuação do poder público para o fomento da cultura, estabelecendo parcerias com coletivos e grupos e multiplicando a ação”.

Essas propostas e projetos auxiliam os artistas oriundos da periferia, porque “por meio de políticas públicas é possível descobrir e apoiar artistas que, de outra maneira, não teriam as mesmas oportunidades, fazendo uso da produção artística como forma de inclusão social e promovendo uma verdadeira cidadania cultural para a cidade toda”, explana Nabil Bonduki.

A proposta do ponto de cultura é interessante porque tem como objetivo fomentar a cultura de periferia de baixo para cima. “Geralmente quando a gente discute desenvolver arte e cultura na periferia, a gente sempre tem por trás uma visão preconceituosa, vem alguém lá da elite e da academia falar “vamos levar a arte para a periferia”, e, não é sabe. A gente tem a arte como forma de resistência e na nossa realidade, na nossa comunidade estamos sempre desenvolvendo alguma coisa independente de ter recurso ou não”, esclarece Janaina Gomes.

No entanto, o que muda na vida de um jovem quando ele participa de projetos e ações culturais na periferia?

ponto de cultura

© 2016 por Nadja de Pontes Sá. 

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