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Mudança de hábito através da Arte

O primeiro a responder isso foi o arquiteto e urbanista dizendo que nos mapas produzidos pelo Núcleo de Estudos de Violência da USP “é possível observar que as regiões em que há menor investimento em áreas não apenas de cultura, mas de esporte e lazer, são também as regiões com os maiores índices de mortalidade de jovens”.

Seu interesse em falar sobre periferia veio muito cedo, quando ainda estava na universidade. Naquela época ainda lidava com as questões de acesso básico à cidadania e as periferias sobreviviam numa precariedade absoluta, de acordo com o mesmo.

“Foi com esse cenário, de enorme precariedade, que eu me engajei em estudar e buscar soluções para as periferias. Daí, no laboratório de habitação da Belas Artes, em 1984, começamos a discutir formas de participação dos movimentos de moradia e da população num processo de construção articulado e que busca-se melhores práticas que se adequassem à cada realidade, já que cada periferia tem características e aspectos singulares”, explica Nabil.

Sua afeição e, vontade de pesquisar e colocar em prática diversas ações que estivessem ao seu alcance, apenas aumentou com o passar dos anos. “A busca por alternativas à precariedade das periferias, oferecendo outras possibilidades ao lidar com as anomalias urbanas do capitalismo neoliberal pautaram a minha trajetória”, afirma Bonduki.

Já Stella Lima disse que o Coletivo Feminista Maria dos Pimentas foi o seu primeiro contato com o feminismo no quesito ação. Para ela o coletivo a ensinou a ouvir as pessoas. “A não ter medo de me posicionar no mundo, falar o que penso e que isso é uma dificuldade particular minha de várias ideias, mas às vezes fico muito no pensamento de: ah será que tem haver? Uma insegurança que esse processo de crescimento do coletivo me ajudou muito. Também de construir algo em grupo”, continua a jovem estudante de história.

 

 

 

A também estudante de história Anna Raquel faz uma comparação com o antigo campus provisório da universidade, que ficava no centro de Guarulhos, com o atual no Pimentas, dizendo que antes era frustrante organizar qualquer evento porque a população dos arredores não participava. “E aqui pelo menos o que sinto, é que a gente, em relação ao coletivo não existem barreiras, que as pessoas possam estar aqui e possam entender que o que a gente tem tentado mostrar é que o feminismo é muito diverso e amplo e não é apenas uma coisa institucional e condutas a serem seguidas como uma cartilha feminista, eu não acredito nisso”, afirma Anna.

 

Paula Ramos uma jovem estudante e artista independente foi uma das 18 mulheres a participar da Exposição de Artes Feministas, organizada pelo coletivo. Para ela foi gratificante participar de tal evento, ainda mais por ser a sua primeira exposição e oportunidade de conhecer tantas outras artistas. E isso foi revertido em incentivo para ela, para que não pare o seu trabalho, porque outras pessoas podem o ver e admirar o que faz.

“Muda na questão de expor minha opinião e ouvir a opinião de várias pessoas diferentes, e a vivência também que é muito importante pra mim”, relata Amanda Garcia Amaral, artista independente. A exposição para ela foi legal e, importante, porque agrega e fortalece ainda mais o movimento e a união entre as mulheres.

Para Leila Zelic, 21 anos, estudante e também artista independente: “Projetos como esse me trouxeram a possibilidade de conhecer muitas outras mulheres, de todos os lugares, que carregam questão que articulam com as minhas, e isso é incrível”. E continua explicando que “para mim, participar de uma exposição de Artes Feminista foi muito importante. Mostrar um trabalho é um meio de comunicação, e comunicar o feminismo, principalmente em ambientes como a universidade é essencial”.

Mariana Ser é uma jovem fotógrafa e artista visual, ela assim como Leila, Amanda e Paula, expos sua arte na Exposição de Artes Feministas. Para ela foi “Foi bem bacana. Experimentar da sonoridade, trocar com outras artistas me deu uma sensação de acolhimento. Aprendi e fiz novas amigas”. Perguntada se algo muda em sua vida participar de eventos como esse, sua resposta foi: “Muda porque acrescenta experiência de vida ao meu repertório. Todas as trocas são importantes num processo de criação artística”.

A arte não funciona como uma cura, mas ela abre portas para oportunidades e vivências que podem de alguma forma agregar na vida das pessoas. Na vida de Douglas Lotto, em primeiro lugar veio uma satisfação pessoal em ajudar a construir o Sarau Cultural no cursinho, porque ele também sempre teve “um pezinho artístico”, como o mesmo disse. No começo ele se apresentava, todavia já faz cinco anos que deixa esse espaço aberto para outros artistas.

“Então dá uma certa satisfação pessoal pensar que eu faço parte de um projeto que abre espaço para os artistas mostrarem seus trabalhos”, revela o jovem com um sorriso no rosto. E continua explicando que “logo no começo a gente falou deve ter tanto artista de quarto, aquele menino que toca um violão demais, mas no quarto dele porque não tem lugar para se apresentar, aquele cara que pinta e desenha demais, só que não tem um lugar para expor esse material dele. Tenho satisfação de participar de um projeto que agora é uma vitrine no bairro”.

Essa satisfação e, alegria veio através dessas vivências e oportunidades que trazem experiências novas a partir da troca entre as pessoas. “E tem também a experiência que eu vou ganhando, e, isso se reflete na minha vida profissional, me desenvolvo melhor tendo que lidar com o público e pessoas. Faço também vários amigos, tenho amigos artistas que eu nunca imaginei que poderia ter, conheço gente de todas as linguagens artísticas. Já virei amigo de anos de alguns. Na minha vida pessoal o Sarau se refletiu em amizades, experiências e satisfação”, explana Douglas com um brilho no olhar típico daquelas pessoas que conseguem sorrir apenas com os olhos.

Para algumas pessoas essas experiências influenciam tanto a sua vida que optam por estudar e trabalhar a cultura de alguma forma. Foi assim com Janaína Gomes, que atualmente cursa Lazer e Turismo na USP. Em sua opinião “aqui na periferia a gente tem um déficit muito grande com relação a equipamentos culturais, a eventos culturais e uma vez que a gente realiza esse tipo de evento, a gente está trazendo uma coisa que é negada para a comunidade aqui”. Realizar o Sarau Cultural e ajudar no Ponto de Cultura tem um sabor especial para ela, porque “eu também sou moradora aqui da comunidade, eu estou contribuindo, então isso é uma coisa que me deixa muito orgulhosa”. Todavia, Janaína não é a única que pensa dessa forma.

 Quando a profissão vem da Arte  

Thais Moura, 23 anos, é atriz e massoterapeuta, também habitante da periferia dos Pimentas, mais especificamente reside no Parque Alvorada. Em 2009 iniciou um projeto de teatro no bairro com alguns amigos, nele se reunia para realizar leituras dramáticas e, a partir desse processo dentro do seu circuito já começou a apresentar pequenos espetáculos. E em 2011 entrou para o coletivo Pequeno Teatro de Torneado, onde atua até hoje.

Logo no início da sua trajetória em busca da arte e, do teatro como uma forma de viver a vida, recebeu apoio de pessoas próximas que viam e acompanhavam seu esforço. Elas cediam espaços para ensaios e apresentações dos exercícios cênicos, essas em sua grande maioria eram com entrada franca. “Manter-se de arte dentro da periferia sempre foi um desafio que sempre fracassava”, desabafa Thais Moura.

“A periferia sempre se mostrou morada de artistas incomparáveis diante de suas singularidades. Estamos rodeados de cultura e arte onde a mídia se mostra apática e distante de qualquer influência cultural vinda dos marginais, afinal, o termo “marginal” já remete grosseiramente à meliantes, mas não passam de moradores dessa enorme beira que rodeia o centro”, completa a jovem atriz e massoterapeuta.

Para a mesma esse contato com o teatro na periferia traz uma experiência cada vez mais rica, porque há muito talento oriundo dos jovens que são muitos e emanam criatividade. “Por isso, os saraus e eventos culturais em geral deve ser realizado pelos jovens e para os jovens com o intuito da troca. Atualmente o coletivo do qual faço parte está com três espetáculos em cartaz e trabalhamos com formação de atores através da troca de experiência e sem nenhum tipo arrecadação financeira”, conclui.

 Já a contadora de histórias Thayame Silva Porto (ou apenas Thayame Porto, como gosta de ser chamada), 29 anos, atua com o Passarinho Contou “pelas quebradas de Guarulhos e São Paulo” como a mesma se expressa e, trabalha no Centro Cultural da Juventude (CCJ – SMC/PMSP), como gestora cultural no núcleo educativo.  Relata que o ofício de ser contadora de história é uma missão transmitida na oralidade dentro da cultura familiar dela.

Os anos de estudo e pesquisa dela a fizeram incluir, nesse encargo, a luta pela democratização ao acesso a cultura escrita. “Me filio à perspectiva do Letramento. Acredito que o hábito leitor é construído, e que, para sua construção é necessário acesso, acervo, profissionais. O que eu faço é chegar dentro da quebrada, nas vielas, nos becos, na porta das casas, levando a materialidade dos livros, panos, e a poética de resistir, e convidando à leitura a partir da narrativa das histórias que me disponho a contar”, explica Thayame.

Infelizmente não recebe incentivo e apoio, pois sua família acredita que ela deveria utilizar o talento que possui para prestar um concurso público, que deveria mudar de área porque suas escolhas não dão um retorno financeiro. “Eu concordo com eles mas, essa é minha missão e sou feliz por persistir nela”, afirma a jovem.

Seu trabalho funciona de diversas formas. Pode-se fazer por puro prazer, como também, para sobreviver dessa arte. “Daí você também precisa definir pela sua linha de atuação, se ela se desenvolve pelo teatro, pela cultura oral, pela formação leitora. Há muitos caminhos. Basicamente é uma escolha bastante difícil”, clarifica.

A dificuldade dessa área é que não há uma remuneração fixa ou um edital específico para isso. Sendo assim, o que ela fez, foi mais desafiador. Optou por deixar a sala de aula e começou ela mesma a captar recursos e procurar por editais culturais.

“Temos muito o que construir ainda, mas só foi possível pra mim, como outros que conheço, sobreviver com Arte, porque tivemos Políticas Públicas que pensaram isso. Não posso dizer muito sobre o que será dos nossos Ofícios com um Governo que visa a extinção do Ministério que fomenta nossas ações, o Ministério da Cultura”, explana Thayame Porto.

Quando perguntada “qual sua maior conquista” a resposta é: cada livro lido é a grande conquista.

Em sua opinião “há muita criatividade, produção e resistência na Periferia, desenvolvidas de muitas maneiras. Olhar para a Periferia como lugar a se frequentar, circular, consumir suas produções, é reconhecer e admitir nossa condição Latina, e com isso confrontar um sonho de sermos uma nação Norte Americana de consumo de shoppings. A Periferia é a maior representação do nosso país, e do Continente que pertencemos. Toda vez que desvalorizamos a periferia, negamos nossa condição, negamos quem somos. Na periferia não tem só biqueira, só nóia, problema e perigo como afirmam nossas mídias. Eu posso citar uma lista de ações incríveis que se desenvolvem nas Periferias da nossa metrópole, além do meu projeto "Passarinho Contou", temos os movimentos de Sarau: Sarau da Coperifa, Sarau da Brasa, Sarau do Binho, Elo da Corrente, Sarau d'Quilo. Entre tanta coisa muito legal que acontece”.

No entanto, ela não acredita que a arte possui a responsabilidade de curar um jovem. “Acho que a Arte atribui aos sujeitos oportunidades, mas não gosto dos discursos que pregam essa responsabilidade à Arte, de que ela tira das drogas, tira das ruas, cura dos vícios”, explica.

Seria perigoso afirmar que apenas a arte salvaria os jovens, é necessário que esses também estejam abertos a receber e, conhecer experiências novas para então estar dispostos a mudar.

“Acredito que tudo é questão de oportunidade e acesso. Se o sujeito tiver oferta, consequentemente ele achará e construirá um caminho, pautado no que lhe mais atrai. Acredito no que Mário de Andrade nos deixou nos seus escreveres, que a "Arte atribui qualidade de vida". Acredito na antropóloga Michele Petit que diz que a leitura oferece instrumentos de recursos linguísticos, onde, encontrando repertório nas palavras, o enfrentamento dos corpos é substituído, e a luta ganha vocabulário e não violência. Assim sendo, seja a criança, o jovem, o adulto que entrar em contato com Cultura, com a Arte, terá prazer e qualidade à sua rotina. Um prazer que despensa consumo doentio”, é no que Thayame acredita.

Sua vida passa a ter mais sentido quando participa de projetos e eventos culturais. “Acho sentido em estar de passagem pela Terra. Não é possível que viemos aqui para: trabalhar, tirar férias, casar, consumir, ter medo do inferno e morrer. Outra coisa que acredito: partilhar! É muito egoísmo passar pela Terra, usando toda a minha existência, apenas para movimentar meus interesses pessoais, comer bem, comprar Rinil, ter bolsas e sapatos e morrer. É incrível ler para alguém. É incrível alguém criar um poema pra você. A partilha é o amor. E o amor é a resistência de conseguir enxergar motivos de estarmos aqui”, afirma.

Há sim uma procura por parte dos jovens periféricos por ações e atividades culturais, embora hajam diversos projetos nem sempre eles estão de fácil acesso e/ou são divulgados. O próprio Ponto de Cultura aqui mencionado se mostrou um processo demorado ou, o enfrentamento diário do coletivo Feminista Maria dos Pimentas para desenvolver suas atividades  mostra que a prática também é árdua. Mas apesar de tudo não faltaram depoimentos desses agentes da periferia de que há sim uma recompensa, como a atriz Thais Moura e, a contadora de história Thayame Porto, afirmaram.

A busca por iniciativas e como a mídia retrata  

Para Paula Ramos ter participado de uma Exposição de Artes Feministas dentro de uma Universidade Federal de São Paulo, com participação da população local é algo bem raro. “Por ser mulher de baixa renda esse tipo de iniciativa para quem tá começando, diria que é bem raro. Coletivos normalmente procuram por artistas já conhecidos para falar de seu trabalho, porém pegar artistas que nunca expôs e abrir uma porta para mostra seu trabalho e algo bem difícil de acontecer”, afirma.

Amanda Garcia Amaral já foi mais esperançosa na sua resposta: “Ainda acho que existem poucos movimentos por causas realmente justas, mas como todo caminho, tudo tem seu tempo, e acredito que os movimentos artísticos tendem a aumentar”.

“Eu acho que essas iniciativas estão crescendo. Ainda não são tão recorrentes, mas estão avançando e se tornando mais acessíveis”, opina Leila Zelic. Já Mariana Ser acha que “existem poucas. Dessas que realmente incluem as mulheres artistas, tem pouco”.

As opiniões são diversas com relação às iniciativas. Mas todas concordam que a mídia como propagadora de cultura periférica deixa mais brechas do que realmente colabora.

Para Thayame Porto “Os dados sempre menosprezam as capacidades dos marginalizados, eu me incluo aqui. Nas pesquisas apoiadas pelas mídias: Sobre a minha área, do livro e da leitura, temos o INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), que tem a coragem de afirmar que o brasileiro não lê, e que não gosta de ler”.

De acordo com a sua percepção “nas grandes produções que vão paras as telas: Os filmes e novelas sempre retratam nossas populações na posição de quem precisa de Cultura, como se não tivéssemos. Somos sempre o ‘índio’ que precisa ser ‘catequizado’. Nos veículos de divulgação: os veículos que divulgam e incentivam o consumo da Cultura, estão sempre pautando Instituições Privadas”.  

Esse mesmo assunto foi tratado com Nabil Bonduki, e, para o arquiteto, urbanista e escritor “muito se tem falado sobre a democratização das comunicações e, como vereador, estou fazendo o possível para avançar com o projeto de lei para a criação do Programa para Valorização de Iniciativas de Comunicação Social”.

O VAI Comunica (como ficou conhecido), tem como objetivo apoiar as iniciativas da mídia independente “com foco informativo ou jornalístico, mas que promovam a diversidade, a transparência e o acesso à informação”, explica o vereador.

Com essas opiniões o que se vê é que como a grande mídia não tem dado conta, sem generalizar é claro, de divulgar essas ações periféricas o que tem surgido com força são mídias independentes com esse foco informativo e jornalístico.

Não será por falta de investimento, incentivo ou divulgação que os jovens periféricos deixarão de criar, construir e propagar suas atividades ou colocar seu conhecimento partilhado em prática. Eles na periferia de Guarulhos, chamada, bairro dos  Pimentas, já fazem isso e tendem a continuar e crescer.

Thais
Thayame

© 2016 por Nadja de Pontes Sá. 

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