

Cultura Periférica
Os jovens em ação: criando e propagando intervenções culturais no Pimentas
Por Nadja de Pontes Sá

“a Cultura não é apenas uma forma de ocupar o tempo livre, mas ela é uma possibilidade real de acesso e inclusão, da construção efetiva de cidadania, então é claro que, a partir do momento em que o jovem se vê como agente da própria produção cultural, ele se identifica com ela”, afirma Nabil Bonduki.
O bairro dos Pimentas está situado na cidade de Guarulhos e, de acordo com o IBGE no censo de 2010 são 156.748 mil habitantes, sendo o bairro mais populoso da cidade.
O caminho para chegar a tal área não é dos mais fáceis, pois tem que passar por um local chamado Trevo de Bonsucesso, que está há anos em reforma e nos horários ditos de “pico” pode-se passar horas preso nele. Mas após esse leve sufoco se encontra de tudo um pouco no bairro.
Pimentas possui diversas escolas da prefeitura, do estado, como também, unidades do CEU (Centro de Educação Unificado) e um campus da Universidade Federal de São Paulo. Além de mercado, loja e estabelecimentos de todos os tipos.
Os habitantes que possuem sotaque é o típico paulistano de puxar mais que o necessário a letra “R”. As crianças ainda possuem o hábito de brincar na rua com os pés descalços, muitas delas visivelmente carentes.
O bairro também é uma passagem de entrada para a Zona Leste de São Paulo, que se encontra ao fundo, numa divisa com São Miguel Paulista. As vias de acesso também não são das melhores por falta de investimento do poder público.
Mas o que torna o bairro tão atrativo é ver o pôr do Sol dentro do Campus da UNIFESP; é ver o bairro construído pelo povo domingueiro, para o próprio povo e, é a cultura local oriunda da diversidade étnica, religiosa e racial feita pelos jovens, para os jovens.

Coletivo Feminista Maria dos Pimentas
O coletivo Feminista Maria dos Pimentas surgiu a partir de um grupo maior de mulheres feministas da Universidade Federal de São Paulo campus Pimentas, em 2015. Viu uma necessidade de se fechar num grupo menor e organizar os diálogos a respeito do tema, mas não ficaram apenas na conversa, resolveram que também estavam precisando de ações e quando enfim chegaram em “casa” (no campus Pimentas, que até então estava fechado para reforma), abriram diálogo com a população local.
Anna Raquel da Silva, 21 anos, estudante de História e integrante das Marias explica que “a necessidade acho que surgiu um pouco da violência e também de uma vontade nossa de se encontrar e de conseguir partilhar, fazendo coisas para outras mulheres. Levar o debate além de uma coisa só teórica, mas de como ele também interfere na nossa vida cotidiana”.
Também estudante de História e participante do coletivo, Stella Lima, 21 anos, elucida que “no começo a gente fazia reunião e falava ‘meu parece que não estamos saindo do mesmo lugar’. Dai a gente conversou e falamos ‘vamos trazer para a prática’. Se a gente quer propor ações, então vamos colocar em prática. Continuamos as reuniões e colocamos as ideias na mesa e começamos a realizar uma ação por vez e fazer de acordo com os braços que temos”.
O coletivo é formado atualmente por sete mulheres, todas são alunas da Universidade Federal de São Paulo campus Pimentas. Sendo elas: Anna Raquel da Silva, Patrícia, Thamará Marques, Stella Lima, Monique Lupi, Nayara Amancio e Nathália Fernanda. Nenhuma delas possui uma função pré-estabelecida, de acordo com as mesmas o coletivo é horizontal e autônomo. “Mas a gente é diferente, então cada uma de acordo com sua personalidade e habilidades, e, isso que é bom, a gente consegue fazer bastante coisa em questão de qualidade, de realizar a proposta”, conta Anna Raquel.


foto de Anna Raquel

foto de Anna Raquel









E assim, em maio deste ano ocorreu a 1ª Mostra de Artes Feminista dos Pimentas, ação executada pelo coletivo. Começou na segunda feira, dia 9, com o 3º Sarau das Marias, nele poesias foram declamadas, sendo elas de grandes autores/autoras conhecidos, como também, de autoria dos participantes que ali estavam. O evento foi bem recebido tanto por alunos da universidade, como por jovens do bairro, sendo a grande maioria do público composta por mulheres.
A Oficina das Cores, direcionada para crianças, mães e pais, com confecção de tinta e massa de modelar a partir da farinha de trigo e gelatina, aconteceu no segundo dia. Todos os dias crianças ficam na porta da universidade por dois motivos: um deles é para pedir dinheiro, e o segundo porque logo ao lado está localizada uma unidade de CÉU, na qual praticam as mais diversas atividades. E nesse dia o coletivo convidou essas crianças a entrarem e participarem da oficina.

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Mas o que ninguém esperava era a movimentação que isso iria causar. Ao contrário do Sarau, haviam diversos seguranças em volta da ação, e, isso causava um grande desconforto porque eram apenas crianças. Em nenhum momento durante o evento realizado no dia anterior se viu algum guarda da universidade, em compensação, na Oficina das Cores quando o público eram crianças, pobres e negras o cerceamento em cima de qualquer ação era visível.
Na opinião da Anna Raquel “na verdade os seguranças são seguranças patrimoniais”. Eles estariam ali para preservar e olhar pelo patrimônio, para que nenhum tipo de dano fosse realizado. O debate em relação às crianças é que, de acordo com a universidade, elas não poderiam estar nesse espaço que é público sem a autorização dos pais. “Mas a gente sabe que é higienista, porque se fossem crianças aparentemente limpas, bem educadas, com olhos verdes, tenho certeza que nenhuma dessas crianças iriam ser barradas logo quando entrassem”, continua.
Nesse dia o coletivo organizou uma atividade com stencil, foram todos produzidos com frases de ordem como, por exemplo, “Todo Camburão tem um pouco de navio Negreiro” e “Lugar de criança também é na Universidade”. Também colaram cartazes como: A cidade que a gente quer não segrega a Mulher. As paredes pintadas se localizam logo na entrada da universidade, num espaço utilizado para socialização dos alunos e visitantes, local esse onde todos os eventos ocorreram.




Essa Oficina acabou se tornando o estopim para a universidade, tanto pelas crianças, como também, por causa das pinturas realizadas nas paredes. “A gente já esperava que não fosse uma coisa muito bem-vinda. Por outro lado não é nenhuma novidade, porque mesmo aqui no campus do Pimentas, como no outro prédio, eles sempre foram pintados pelos alunos, porque é uma forma de protesto e se for ver no prédio antigo tinha um monte de protesto e tiveram oficinas como essa, mas que não foram produzidas pelo coletivo, mas por um grupo de artistas e foi a própria universidade que custeou as tintas deles”, comenta Stella.
Três dias depois teve um agravante, durante a exibição da primeira edição do SPTV, jornal do meio-dia da rede Globo, passou uma matéria com o apresentador César Tralli repudiando fotos tiradas das paredes da Unifesp, ele já começa introduzindo o assunto com a frase “Tem falta de educação também na universidade...”. As imagens que passam são dos stencils, da frase “Sejamos todos feministas”, entre outras. De acordo com o apresentador a universidade disse que iria solicitar uma nova pintura, reforçar a segurança e tentar identificar os realizadores de tal obra.
Em nenhum momento o coletivo escondeu o que iriam realizar. Antes da semana da mostra de artes feministas a coordenação recebeu um e-mail, nele falavam do stencil, das tintas, da atividade com crianças e tudo o mais. O espaço pintado é aberto, não fica dentro do prédio em si ou próximo a qualquer sala de aula. Sendo um local de socialização e sem haver um diretório ou centro acadêmico para tal, acabou sendo ele o escolhido.
A Universidade Federal de São Paulo campus Pimentas é de humanas, tendo cursos como: história, história da arte, filosofia, letras e pedagogia. Seu objeto de estudo são as pessoas, em pedagogia, as crianças mais especificamente. Há certo estranhamento quando se pensa que, após a Oficina das Cores, crianças foram proibidas de entrar no campus sem a autorização e presença dos pais. Então, elas podem servir de objeto de estudo, desde que estejam dos muros da universidade para fora.
Quanto às represálias referentes às pinturas até agora apenas um debate foi organizado por bolsistas do núcleo de apoio aos alunos, com direito a certificado, e, com a presença de alunos vindos de intercambio dos Estados Unidos, para ter outra perspectiva, de como seria a reação se isso fosse realizado na universidade na qual eles estudam. Sendo assim, a temática foi “pichação, pixação, stencil, o que pode ser considerado arte?”, com a apresentação de um vídeo documentário, chamado O Muro é o Meio, realizado por alunos da área de comunicação da Universidade Federal de Sergipe.
Ainda na 1ª Mostra de Artes Feminista, na quarta feira, dia 11, aconteceu o cine debate com o filme O dia de Jerusa, e, participação especial da própria diretora Viviane Ferreira. O encerramento na sexta, dia 13, ficou por conta da Banda La Loba, formada apenas por mulheres e todas são alunas da universidade.
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Após essa semana, nas reuniões das Marias já começaram as discussões e organização da Exposição de Artes Feministas. Foram convidadas 18 mulheres, artistas independentes, espalhadas pela cidade de Guarulhos para participar expondo suas obras, sendo elas quadros, esculturas e artesanais. Ela aconteceu num espaço disponibilizado aos alunos localizado logo na entrada da Unifesp, as paredes são de vidro e todos que passam conseguem visualizar seu interior. A abertura ocorreu numa quarta feira, dia 1 de junho, e, o encerramento dia 15 do mesmo mês. Nesse último dia as artistas foram convidadas a estarem participando do Encontro de Encerramento com a participação de Aghata Saan como dj.
Essa Exposição já vinha sendo organizada e pensada há um tempo, o impasse era a entrega do novo e definitivo prédio. Por vezes ela foi adiada. Quando, enfim, começaram as aulas puderam de fato partir para a atuação, que começou com a semana da mostra de artes feministas e continuaria com a exposição.
Stella revela “resolvemos montar a exposição um dia antes porque a gente não conseguiu reservar o espaço. Mas mudamos e montamos no dia porque pensamos: vai que a instituição implica e manda recolher as obras que não são nem nossas. Começamos a montar de manhã e ao longo do dia foram chegando outras meninas, e ali que você percebe que as pessoas estão presentes e ajudam nessa construção coletiva que é o objetivo do coletivo Feminista Maria dos Pimentas. Acabamos de montar em cima da hora. E é legal isso, as vezes estamos montando algo e passam pessoas que não são nem do coletivo, olham e ajudam a construir, elas veem que estamos na função, não somos muitas e já perguntam ‘precisam de uma ajuda ai?’”. Explicando um pouco de como funciona a organização dos eventos e do próprio coletivo.
Todos os eventos realizados pelas Marias obtiveram um público que foi além dos muros, chegando a população local do bairro dos Pimentas. E o sentimento delas com o resultado foi de felicidade.
“Tínhamos receio de como as pessoas iriam receber para além dessa bolha, além desses muros, também tivemos que fazer um enfrentamento para que as crianças que frequentam as redondezas e sempre estão aqui na frente na porta da universidade participassem”, declara Anna Raquel. Já Stella leva mais essa alegria no sentido de capacidade, de que sem qualquer ajuda remunerada por parte da instituição, elas (as Marias) conseguiram realizar tudo que foi proposto e pretendem expandir cada vez mais isso, porque a cada processo se sentem mais confiantes.
Nabil Bonduki, 61 anos, arquiteto, urbanista, professor universitário, escritor e atualmente vereador da cidade de São Paulo, explica que “a Cultura não é apenas uma forma de ocupar o tempo livre, mas ela é uma possibilidade real de acesso e inclusão, da construção efetiva de cidadania, então é claro que, a partir do momento em que o jovem se vê como agente da própria produção cultural, ele se identifica com ela”.
É o conhecimento partilhado da periferia que vai construir a cidadania. Esse sentimento de felicidade traduzido em capacidade de fazer da Stella é essa inclusão e construção efetiva de cidadania que Nabil fala.
A periferia possui uma áurea muito parecida com a do interior, a de partilhar, seja experiência, receita, arte ou felicidade. Dessa forma, Nabil explana “Valorizar a cultura das periferias, estimulando a criação, o acesso, a formação e a participação de produtores e criadores, significa fomentar o desenvolvimento cultural da cidade como um todo”.
Seguindo essa linha, e, sem qualquer ajuda externa o coletivo feminista Maria dos Pimentas fez uma parceria com mulheres feministas de um cursinho comunitário localizado no mesmo bairro. Ambos, a cada duas semanas se encontram e realizam um cine debate. Sempre com um tema pré-determinado e divulgado para um estudo prévio dos participantes, nesse cine debate um documentário é escolhido e convidam as pessoas que o realizaram para a roda de conversa.
Esse Cursinho Comunitário dos Pimentas, há 11 anos consecutivos, realiza um Sarau Cultural aberto a toda população. Nele participam alunos, jovens, crianças, adultos e senhores de todos os locais, seja do bairro ou das redondezas.
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